Dona Maria celebra 108 anos de muita força de vontade de viver

Moradora mais idosa do município, Maria Ribeiro de Jesus conta sua história com entusiasmo – um convite para a festa de aniversário celebrada hoje (10)

Foi em Brejinho das Ametistas, distrito de Caetité, um pequeno município no interior do estado da Bahia, que nasceu Maria Ribeiro de Jesus. Num dia como hoje, 10 de agosto, do ano de 1915. De lá para cá, são 108 anos de uma vida intensa e cheia de histórias. Uma jornada com início no nordeste brasileiro, seguiu viagem num caminhão “pau de arara” e chegou até o Paraná e, desde 1991, em Pinhais, onde a protagonista ainda nutre, vigorosa, o amor pelos filhos, netos, bisnetos e tataraneto.

Dona Maria se lembra de tudo, e o entusiasmo com que relata sua história, provoca uma surpresa inspiradora a quem ouve: “Meu pai era fazendeiro e tinha muitos funcionários, muitos camaradas, lá fala camarada [explica]. Trabalhava na roça, plantava e colhia. Nós tínhamos muita coisa, uma oficina de fazer farinha, fazia 30, 20 sacos de farinha, aquele saco de 30kg de farinha, tudo assim empilhada [gesticula]. Tinha farinha, feijão, tinha de tudo o que a gente precisasse, fruta, tudo o que nós ‘queria’, nós ‘tinha’ (sic).”

Mas foi quando o então marido, Manoel, faleceu, que Maria embarcou rumo ao Sul do Brasil, junto de toda a família: “Eu tinha 10 irmãos comigo, que moravam na mesma fazenda. Minha irmã, que morava aqui [Paraná], viu um caminhão pra buscar a gente e trouxe a família toda. Eu estava muito triste com a morte do meu esposo. Tive cinco filhas com ele, Manoel, era um bom esposo, um bom marido.”

A vida seguiu em Paranavaí, quando Maria, ainda pequena, lembra do trabalho na cozinha, ao lado de um dos irmãos, que preparava as refeições dos peões numa usina de cana-de-açúcar: “Eu era pequeninha e meu irmão ‘tocava’ a turma ali, ele fazia cada panela, desse tamanho [afasta as mãos], de comida. Seis horas era o café deles, aí levantava pra ir pra roça, nove horas a comida tinha que ‘tá saindo pra 100 pião (sic), eu ele fazia, e quando era meio dia, o café da tarde tinha que sair, e de tarde a janta pra chegar e jantar. Ficava aquela bagunça, aquela ‘louçarada’, aquela panelada de barro, na hora de limpar eu e ele, meu irmão, limpava (sic) tudo.”

Depois da cozinha, Maria trabalhou como lavadeira. Serviço braçal, feito com uma disciplina e humildade próprias de quem sustentava cinco filhas: “Carregava aquele monte de roupa na cabeça e descia no ‘buracão’, onde tinha mina d’água. Lavava na tábua com sabão de pedra e depois levava um tanto pra casa, secava tudo de tarde. Eu tinha que pegar de manhã cedo e quando eram seis horas da tarde, levava aquelas roupas ‘tudo’ lavadinha, passadinha, dobradinha. Eu não tinha uma tábua pra passar roupa, eu passava no chão, forrava o chão com uma cobertinha velha, catava aqueles carvãozinho (sic) do fogão e botava no ferrinho à brasa, e passava aquelas pilhas de roupa. As mulheres ficavam encantadas, acho que elas pensavam: ‘essa mulher tem uma lavanderia que eu vou dizer’. A lavanderia era no chão.”

Quando veio para Curitiba, a família montou um restaurante no centro da capital. Local em que por muitos anos conquistaram uma legião fiel de clientes. A filha Liax Ribeiro Cavagnollo conta que o “restaurante da vovó”, como era conhecido na região, encantava pelo atendimento familiar: “A gente é muito humilde, mas a gente sabe como lidar com as pessoas, e a minha irmã, Ester, na hora que você botava o pé na porta, lá ela estava: ‘bom dia, meu filho, como vai você? Meu nome é Ester, seja bem-vindo. Se você não gostar, você não vai pagar, mas se você gostar, você vai ser o meu cliente vip.”

Das cinco filhas de Maria, três faleceram. Uma delas, Ester Ribeiro de Melo. Foi quando a família fechou o restaurante e abriu uma temporada longeva de cuidados e celebrações da matriarca. Centenária, como uma frondosa araucária, Maria ramificou pelas filhas seis netos, sete bisnetos e um tataraneto. Um pessoal que dia a dia entra pela porta sempre aberta, da casa onde mora com a filha Liax no bairro Atuba.

Hoje, Liax cuida da mãe com o mesmo amor e afinco com que foi cuidada. Uma história que se orgulha de fazer parte: “É um tempo que não volta mais, as histórias da minha mãe, eu vou te contar, é uma benção, um incentivo, é um aprendizado para esses bisnetos, porque tem dia que ela começa a contar as coisas aqui e eles ficam ‘tudo’ de boca aberta, porque minha mãe já passou por tantas coisas nessa vida e certamente já teve muitas coisas boas também, então Deus a recompensou muito. Tem uma vida simples, humilde, mas tem tudo o que ela quer, graças a Deus.”

A jornada que sempre foi recheada de trabalho, não é diferente com três dígitos de idade. Uma força do hábito que, brincalhona, revela fazer escondido da filha: “Ela [Liax] cuida de mim como se fosse uma criancinha, ela sai e deixa meu pratinho pronto na geladeira, quando eu levanto, eu só coloco pra esquentar e almoçar, deixa meu suco pronto, eu levanto e tá tudo prontinho. Bem escondidinho deles, vou varrer a calçada, limpo ‘tudo’ os quintal (sic), limpo tudo lá fora, volto e entro escondidinho e deito. Quando ela chega, eu to na cama, fingindo que eu deitei o dia inteiro”, brinca.

Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, dona Maria é a paciente mais idosa de Pinhais. E sustenta uma saúde invejável. Boa de prosa, como visto, também mostrou grande poder de recuperação quando sofreu uma queda, aos 106 anos, e precisou de uma atenção emergencial. Atendida pela USF Perdizes, as equipes vão até a residência de Maria, onde mora com a filha Liax, e se admiram com o estado de saúde. O segredo, Maria revela: “muita benção de Deus, muita força de vontade de viver, os amigos, filhos, netos, bisnetos, tataraneto.”

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